O culto de Nossa Senhora da Nazaré tem como base duas grandes lendas fundadoras. A mais conhecida e celebrada, pelo menos em Portugal, será a do Milagre de Dom Fuas Roupinho, que foi introduzida sobretudo por Bernardo de Brito no início do século XVII, mas antes disso a Senhora da Nazaré já tinha uma história de devoção, milagres e peregrinações, que se baseavam na lendária epopeia da viagem da Imagem à zona da Pederneira e ao Sítio onde ainda reside. Conta a narrativa popular que a Imagem veio da Nazareth da Galileia e se encontrava no mosteiro de Cauliana, no sul de Espanha, quando o rei visigodo Dom Rodrigo, depois de derrotado pelos mouros na batalha de Guadalete (711), ali se refugiou. O monarca terá então acompanhado o monge Frei Romano até à costa atlântica portuguesa, com as relíquias de São Bartolomeu e São Brás, e a sagrada Imagem da Virgem da Nazaré. Deixamos aqui um relato de 1639 dessa epopeia, ilustrada de resto numa série de painéis que podem ser apreciados na Igreja Santuário de Nossa Senhora da Nazaré em Portugal:
«(…) Antes que cheguemos a casa da nossa Virgem da Lapa, veremos como deos de males tirabes, qual foi o de Dom Rodrigo. Depois da vitoria perdida, despedindosse das insígnias reais que levava e saindo de um lamarão, onde o cavalo de cansado, e muy sangrado atolara, trocou com um pastor, por não ser dos qem seu alcance vinhão, ou morto, ou cativo; e com um cacheiro na mão tomando o caminho para Merida entrou no mosteiro Caulina, onde os monges se aprestavam, assim pera a fugida, como pera esconder as santas reliquias.
Só na igreja, cudadndo que ninguém o ouvia, escandalizado de si, mais do que do castigo do Ceo, pelo que dizia, foi conhecido do monge Romano que em oração estava e lhe acudio e levantou da terra, donde um desmaio de melancolia o deitara, a quem tantos encontros de lanças e mouros não poderam derribar.
Tornando em si, não só se confessou e comungou para ganhar ânimo contra as cotiladas do tempo e do mundo, mas para também servir de companheiro a Romano na peregrinação que determinava fazer para levar como fez a imagem da virgem que ali estava e hoje em Portugal com o título de Nazareth é venerada sobre o mar Oceano, donde serve aos navegantes de certo farol, para mostrar a terra e descobrir o céu.
Fica esta Senhora junto à Pederneira onde o penitente rei com o seu companheiro Romano veio descansar aos 22 de novembro dia de Santa Cecília, ficando o rei muy pago do sítio para a penitência a que vinha determinado, e com tanto ódio da vida passada se subiu ao alto de hum rochedo, que no meio dos areaes se levantava, como se dali ficasse mais velhinho com a glória, onde já tinha posto o coração.
Dos antigos se chama este monte Seano, e nos nossos tempos de São Bartholameu, e de São Brás, por nele se colocarem as relíquias destes santos que Romano juntamente com a imagem da Virgem da Nazareth tinha livrado do estrago que os mouros vinham fazendo, como truphadores de religião Christã. Deixou esta Senhora Nazareth, desemparou Mérida e foilhe a Portugal e para esta romaria fez dos braços de hum Rey charola da sua glória»
Padre António Leite in Historia da appariçam, e milagres da Virgem da Lapa. Coimbra: Impr. Diogo Gomez de Loureiro, 1639.