Devido a falta de documentação não podemos afirmar com certeza a data ou as origens do culto à Nossa Senhora da Nazaré. Segundo o historiador Pedro Penteado a história deste lugar sagrado encontra-se pouco documentada para o período anterior ao século XVII. Sabe-se contudo, que já era conhecido na centúria de trezentos. O culto, que decorria numa ermida litorânea que o rei D. Fernando teria mandado alargar em 1377, centrava-se numa imagem medieva da Virgem do Leite, sob a invocação de Santa Maria de Nazaré [1].
Tudo aponta para que este culto seja, de facto, bastante antigo, até porque como diz o etnólogo Moíses Espírito Santo, os cultos populares não são criados por ninguém. Resultam dum acumulado de vivências não referidas por escrito, até que eventualmente um escritor os descubra, revele e reinterprete, proporcionando assim a sua difusão e, com isso, o seu desenvolvimento. É o que se teria também passado com a lenda e o culto da Senhora da Nazaré [2].
Tal como hoje, os homens sempre tiveram a necessidade de procurar um contacto mais próximo/intimo com Deus. Esta procura traduziu-se muitas vezes na realização de peregrinações aos locais onde o divino tinha já manifestado a sua presença, como foi o caso do Santuário de Nossa Senhora da Nazaré.
Na obra A Senhora da Berlinda, dedicada ao estudo de uma das mais importantes peregrinações à Senhora da Nazaré – o Círio da Prata Grande – Pedro Penteado afirma que alguns autores defendem que as peregrinações colectivas ao Sítio tiveram início no século XV. Contudo se exceptuarmos o caso da Confraria da Pederneira, que ali festejava a 5 de Agosto e regressava no mesmo dia, não há conhecimento de visitas comunitárias ao santuário antes de 1608 – 1610, anos em que surgem as primeiras referências documentais explícitas às confrarias de Coimbra e de Penela, a mais antiga de todas. As grandes peregrinações só se efectuaram a partir do momento em que foram criadas condições específicas para o seu acolhimento, com a construção das “casas grandes dos romeiros” e o aparecimento das primeiras habitações no povoado, no início do século XVII. Assim, pode afirmar-se que foi apenas depois da Senhora de Nazaré ter dado provas da sua capacidade de protecção individual dos devotos que aumentou o número destas manifestações religiosas, as quais contribuíram para o revigoramento do santuário [3].
Os círios à Virgem de Nazaré constituíram-se como uma das manifestações religiosas mais importantes do Santuário, sendo referidos como tal nas obras Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré de Manuel de Brito Alão, publicada pela primeira vez no ano de 1627 [4] e, Memórias da Real Casa de N. S. da Nazareth, obra manuscrita de José d’Almeida Salazar, de 1844.
O Santuário de Nossa Senhora da Nazaré recebia a visita de círios de vários pontos do país. Brito Alão refere no seu livro as peregrinações, organizadas geralmente por confrarias, provenientes da Pederneira, Penela, Santarém, Coimbra, Sintra, Colares, Mafra “e seus termos”, São Pedro de Dois Portos, Almargem do Bispo, Óbidos “e seu termo”, Porto de Mós, Alcobaça e Alhandra.
Mas quais seriam as razões que levavam estas populações a acorreram ao santuário do Sítio? Pedro Penteado, no seu estudo sobre o Santuário, fala-nos de um conjunto de motivações diversificadas [5], mas aponta como factor principal as motivações religiosas e, em alguns casos, mágicas (…). Um estímulo considerável à deslocação consistia na satisfação das promessas à Virgem, por parte dos crentes. Eram estas que traduziam a sua capacidade em ouvir e atender os fiéis, nos momentos mais difíceis da sua vida. Por isso, o agradecimento à Virgem, na sua “casa própria”, era um reconhecimento da sua grandeza e um pedido humilde dos peregrinos para que a Mãe de Cristo continuasse a interceder pela satisfação das suas súplicas. Mas esse reconhecimento podia assumir características colectivas, traduzindo-se na participação do peregrino na festa que os homens da sua comunidade organizavam à Senhora da Nazaré, no seu Santuário. Outros vinham adorar a divindade local onde a oração mais íntima possuía uma eficácia particular ou, pura e simplesmente, solicitar-lhe a realização de um milagre. Também o contacto com a terra, a rocha ou o vestuário que tinha estado próximos da Sagrada Imagem da Senhora, forneciam ao peregrino um conjunto de benefícios e protecções que dificilmente teria se permanecesse na sua comunidade de origem. Muitos peregrinos vinham ali pedir a protecção da Virgem para a sua vida quotidiana, prometendo regressar com as suas ofertas se fossem devidamente premiados com a atenção da Senhora. Outros solicitavam-lhe o fim das doenças que os apoquentam ou invocavam-na para que afastasse deles o demónio e os seus agentes, conservando-os longe dos caminhos do Mal. Não esqueçamos que a Senhora de Nazaré manifestara, no caso de D. Fuas, a sua propensão para evitar a queda dos seus devotos no abismo provocado pela atracção de Satanás [6]. (fonte)
[1] PENTEADO, Pedro, Peregrinações Colectivas ao Santuário de Nossa Senhora de Nazaré (Portugal) nos séculos XVII e XVIII, separata da revista Cultura – revista de História e Teoria das Ideias, vol. X (2.ª Série).
[2] ESPÍRITO SANTO, Moisés, Cinco Mil anos de Cultura a Oeste. Etno-História da Religião Popular numa região da Estremadura, Lisboa: Assírio & Alvim, 2004.
[3] PENTEADO, Pedro, A Senhora da Berlinda. Devoção e Aparato do Círio da Prata Grande à Virgem de Nazaré, Ericeira: Mar de Letras Editora, 1999.
[4] Esta obra foi recentemente reeditada pela Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, em colaboração com a Colibri e com edição de Pedro Penteado. Constitui o 1 volume da colecção “Estudos e Fontes” lançada pela Confraria em 2001.
[5] PENTEADO, Pedro, Peregrinos da Memória. O Santuário de Nossa Senhora da Nazaré 1600 – 1785, Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa da U.C.P, 1998, p. 97.
[6] Idem, Ibidem, p. 98.