Autor: Diogo Maleita Correia, “Os Círios estremenhos: Análise histórico-teológica das peregrinações colectivas na Estremadura portuguesa”, 2011. Dissertação (Mestrado Integrado em Teologia) – Universidade Católica Portuguesa (excerto)

As loas, «orações feitas a cantar» (144), são poemas líricos, geralmente em quadras de redondilha maior, que os “anjos” do Círio cantam ou declamam em louvor dos santos ou de Nossa Senhora. Refere o etno-musicólogo José Alberto Sardinha: «Musicalmente, a loa é um recitativo de grande simplicidade, que repete quase sempre a mesma nota, com acentuações rítmicas próprias de quem quer transmitir uma mensagem aparentada com um pregão, numa forma rudimentar de canto.» (145).

Sobre as origens das loas, Olegário Paz, considera que o uso de loar nos cantares medievais sugere uma origem antiga, como já tinha sido defendido por Teófilo Braga: «A esta fórma poetica se pode assignar tres periodos de existencia; o primeiro, religioso, reminiscencia do genio gothico; o segundo, sentimental e lyrico devido á influencia normanda que se determinou na nossa poesia no tempo de Dom Fernando e Dom Juan I; e o terceiro, dramático, usado como prólogo dos Autos hieraticos que é a forma em que parece ter estacionado”.» (146). O mesmo autor cita ainda Almeida Garrett: «A loa deita-se ainda hoje nos círios das províncias do Sul, recita-se nos presépios do Natal das províncias do Norte do reino. É um cantar de anjos, de génios, de espíritos; mas dramático, dialogado: é um coro hierático que se entoa, que se deita do céu para a terra, que entes superiores cantam para ouvirem homens e deuses.» (147).

Leite de Vasconcelos na sua vasta obra recolheu várias loas, sendo que a mais antiga data do século XVIII e é dedicada à Senhora da Nazaré pelo Círio de Lisboa. Inclui figuras simbólicas, que acentuam a sua feição de “auto”: Devoção, Festividade, Aplauso, Fama, Pandorga (Velha), Gosto (Gracioso), Culto (148).
A grande fonte inspiradora destes poemas é a Sagrada Escritura: «…as loas resultam, assim, num Evangelho Novo, numa nova revelação de verdades sabidas de cor ou sentidas. A tradição bíblica é um fio essencial deste tecido feito de fé, de amor e de emoção.» (149).

É dentro deste sentido teatral que se compreende o grande destaque dado aos “anjinhos”, jovens que no decurso do cortejo processional vão cantando as “loas”. Sabe-se que as loas tinham frequentemente mais personagens, à maneira de teatro dialogado, que com o decurso do tempo terão sido abandonadas, provavelmente nos finais do século XIX (150), subsistindo apenas os anjos, geralmente em número de três, mas sem se saber já o que cada um deles representa, ou que papel desempenha. Permanece contudo o sentido teatral no “deitar das loas”, como refere José Alberto Sardinha (151), patente no trajar à romana dos “anjinhos” – o “exército celeste” – e na solenidade do acto, escutado em silêncio respeitador.

O ritual integra, normalmente, cinco momentos em que os anjinhos intervêm: «…a entrega da bandeira – tristeza de uns e alegria de outros; saída do círio – expectativa, desejo, temor; lugares do trânsito – recordações e apelos; chegada do círio – alegria esfuziante; e festa (igreja ou procissão) – confirmação da posse.» (152).

Como refere José Alberto Sardinha relativamente à conotação divina que a música comporta, «O caso dos “anjinhos” e das suas loas apresenta características ainda mais fortes, decorrentes da própria natureza do anjo, um intermediário entre Deus e os homens.» (153). Como este intermediário não pode ter mácula, devem os anjos ser sempre rapazes com idade nunca superior aos doze anos.

Este canto-reza tem assim uma função social muito importante, como forma de socialização do culto e da devoção (154).

144 Lucília José JUSTINO, Loas a Maria. Religiosidade Popular Em Portugal, Lisboa: Colibri, 2006, p. 77.
145 José Alberto SARDINHA, Tradições Musicais da Estremadura, p. 280.
146 Teófilo BRAGA, Epopêas da Raça Mosarabe, 1871, in Olegário PAZ, «Loas», in Carlos Ceia (Coord.), E-Dicionário de Termos Literários (EDTL), ISBN: 989-20-0088-9, <http://www.edtl.com.pt>, consultado em 8-5-2013.
147 Almeida GARRETT, Romanceiro, II, 1850, in Olegário PAZ, «Loas».
148 Cfr. José Leite de VASCONCELOS, «Círios Estremenhos. Subsídios para o seu estudo», Revista Lusitana, XXX, N.os 1-4, Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1932, pp. 5-97.
149 Lucília José JUSTINO, Loas a Maria, p. 80.
150 Cfr. Olegário PAZ, «Loas».
151 Cfr. José Alberto SARDINHA, Tradições Musicais da Estremadura, p. 279.
152 Olegário PAZ, «Loas».
153 José Alberto SARDINHA, Tradições Musicais da Estremadura, p. 279.
154 Cfr. Lucília José JUSTINO, Loas a Maria, p. 79.

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