Ainda não sabia localizar a terra da minha família e a Nazaré já entrava pelos meus sonhos através da história de D. Fuas Roupinho que me contavam para adormecer. Muito cedo conheci a ermida e vi a representação de Nossa Senhora impedindo a queda fatal do companheiro de el-rei Dom Afonso Henriques.
Ainda criança gostava de me demorar nas representações dos ex-libris que celebravam a fé no poder salvífico de Nossa Senhora. Apesar de a minha família ser agnóstica, a passagem pelo santuário fazia parte de cada retorno às origens e estava muito para além dos símbolos religiosos. O culto de Nossa Senhora da Nazaré representava, sobretudo, a esperança na vida, os ditosos regressos de um mar cão e, ao mesmo tempo, misericordioso. Naquela imagem e nos rituais que a rodeiam, celebra-se a condição humana entre tragédia e salvação.
Nos filmes de Leitão de Barros, Maria do Mar (1930), ou de Manuel Guimarães, Nazaré (1958), nas fotografias de Artur Pastor (1922-1995) e até de Stanley Kubrick recolhidas em 1948 (imagem no cabeçalho desta página), o culto está omnipresente na intensidade dramática das gentes. Nossa Senhora da Nazaré foi daqui para o mundo através dos mares e chegou a Salvador da Baía, imagem da salvação e do conforto. Imagem de uma cadeia que une povos e é, afinal, o melhor e mais genuíno da humanidade na sua travessia do tempo.
É por isso que importa reconhecer este património para que a sua memória perdure na volatilidade contemporânea.