As origens do Sítio, e o culto da Nossa Senhora da Nazaré
A Imagem da Nossa Senhora da Nazaré que nestas terras apareceu e a elas deu o nome, crê-se ter sido esculpida por S. José, terá passado às mãos de S. Agostinho que a terá trazido para Península Ibérica.
A invasão árabe na Península em 711 provocou o pânico nas populações que se puseram em fuga à medida que o invasor muçulmano avançava. Foi nesta fuga que o Rei Rodrigo, vencido da Batalha de Guadalupe, salvando-se sob o disfarce de mendigo, chegou à fala com o bom abade Frei Romano, acordando uma fuga conjunta e o transporte da Imagem da Nossa Senhora da Nazaré. Tal fuga, inevitavelmente, havia de fazer-se para ocidente, até encontrar o mar, já que o invasor árabe deslocava-se para norte. Quando ambos alcançaram finalmente a costa, na zona deserta, que então eram estas terras, o Rei foi isolar-se para o catual Monte de S. Brás, e o frei para o promontório agreste que hoje é o Sítio, levando consigo a imagem da Santa. Chegado ao promontório, o frei, com a intenção de proteger a Imagem, escondeu-a numa pequena gruta no promontório voltado para o mar.
A imagem só seria descoberta quatro séculos mais tarde por pastores que por ali passavam, e desde então o culto à Santa não parou de aumentar. Foi assim que o Sítio, ermo do promontório a galgar as alturas até aí sem nome, passou a ser conhecido e chamado o Sítio de Nossa Senhora da Nazaré. Com o tempo, abreviar-se-á para Sítio de Nossa Senhora, e finalmente apenas Sítio. Desta forma, as origens do Sítio estão intimamente relacionadas com o início do Culto da Nossa Senhora da Nazaré e o constante aumento dos romeiros e das romagens ao seu Santuário. E o Sítio de Nossa Senhora continuava, ao tempo do milagre de Dom Fuas Roupinho, um promontório inóspito e deserto. E assim continuou por séculos, tendo como único habitante o Ermitão da Ermida que Dom Fuas mandou construir para abrigo da imagem, com janelas abertas para o oceano de onde pescadores e mareantes lançavam as vistas e os rogos de proteção.
Com a construção da Igreja no século XIV, ao tempo de El-Rei D. Fernando I, já os romeiros ocorriam e a Ermida era escassa. O novo templo abrigava as gentes, mas o Sítio continuava ermo e deserto, varrido pelo vendo e habitado apenas pelo Ermitão de Nossa Senhora, que aos poucos foi levando a família para o local, onde semeavam e colhiam provendo o seu sustento e dando alguma assistência aos peregrinos. Naturalmente, porque no Sítio de Nossa Senhora não existiam nem água, nem provisões, nem forragens em quantidade para suprir todas as necessidades dos peregrinos, começaram as gentes da Pederneira, por não haver outro povoado na vizinhança, a suprir tais necessidades com alimentos e até água que traziam das fontes da Vila e carregavam para o Sítio para vender. A prática, de início suficiente, acabou com o tempo, por não satisfazer. Diárias eram as visitas dos romeiros e grandes eram as romagens, de tal modo que inviabilizavam as idas e vindas diárias entre o Sítio e a Pederneira, obrigando a montar tenda, primeiro com carácter temporário e mais tarde com permanência.
Surgiram assim as primeiras tendas e logo as primeiras casas. E sucessivamente, casas de habitação, de comércio e de pernoita, porque também romeiros e romagens queriam abrigo para a noite, com suas coisas e animais. Por outro lado, desde a construção da Igreja ordenada por Dom Fernando e que este Rei veio, em pessoa, inaugurar em 1377, as obras no Sítio e no santuário de Nossa Senhora, praticamente não pararam. Foi Dom João I a mandar acrescentar os alpendres; Dom João II a fazer erigir nova capela-mor; Dom Manuel a ordenar novos alpendres; Dona Leonor a mandar levantar torres e campanário; Dom Pedro II a patrocinar completa transformação em todo o edifício de tal modo, que tudo quanto hoje existe na igreja é do século XVII e seguintes. Tudo isto enquanto o Sítio assiste ao crescendo do culto da Nossa Senhora, ao constante aumento da sua população residente e das romagens, ao desenvolvimento imparável de uma povoação a que a permanência dos seus habitantes dá o carácter de estabilidade e fixidez.
O Sítio tinha personalidade totalmente diferente da Praia e da Pederneira. O Sítio de Nossa Senhora foi a face mística da Nazaré, e o centro religioso do País até às aparições de Fátima de 1917 e sua consagração, nos anos que se seguiram. O nascer do sol testemunha o início do devocionário quotidiano que se desenrolava ao longo do dia em missas, cânticos, ladainhas, orações. Missas, matinas, vésperas, tudo anunciado pelo bater dos sinos, levando a mensagem pelos ares, de praia do Norte à vastidão dos matagais, por sobre a copa dos pinheiros, a alertarem as povoações da Praia, da Pederneira e dos casais vizinhos. O Sítio vivia para o seu Santuário, do seu Santuário e com o seu Santuário. E desta espiritualidade profunda, vivida e sentida, resultou o aparecimento de uma intelectualidade desde logo ali e desabrochar, que ali se sediou, radicou e permaneceu.
Pode dizer-se singelamente que, no século XVIII, a Pederneira tinha a Câmara, os juízes, os vereadores, os oficias e as milícias; a Praia tinha os barcos, os pescadores, o mar, as redes, o peixe e os naufrágios; e o Sítio tinha a Nossa Senhora, os milagres, a fé, o teatro, a música, o canto, a cultura, arte, os divertimentos, as festas, as touradas, os fogos-de-artifício, o espírito e o intelecto. O século XIX foi ainda um prolongamento deste quadro, já a deixar antever a profunda mudança que se aproximava. Nos finais do século a Pederneira estava já decadente, a Praia vislumbrava já o filão do turismo e o Sítio sustentava a pompa e circunstância de outros tempos.
A Real Casa da Nossa Senhora da Nazaré, hoje a Confraria da Nossa Senhora da Nazaré
Em 14 de Setembro de 1182, saiu o Alcaide de Porto de Mós, Dom Fuas Roupinho a caçar por suas terras. Diz-se que o dia estava de nevoeiro e é provável que se tratasse de uma daquelas manhãs de fim de Verão, em que todas as neblinas matinais se acumulam junto à costa para se dispersarem por volta do meio-dia, dando lugar a tardes amenas e soalheiras. Como quer que fosse, cavalgava o Alcaide pelos matagais que então acompanhavam a zona despovoada da orla marítima, quando um veado se levantou e logo disparou em veloz correria.
Atrás dele se foi Dom Fuas, dando de esporas ao cavalo e tão embebido ia na perseguição do antílope e tão cerrado estava o nevoeiro cerca do mar, que só ao ver o animal precipitar-se no abismo, o cavaleiro assumiu consciência de que lhe estaria reservado o mesmo destino, se não alcançasse fazer parar o cavalo nos últimos palmos de terra firme. E daí, como crente que era, invocou o auxílio celestial da Mãe de Cristo, Santa Maria, Nossa Senhora. Em boa hora o fez. O cavalo tomado de súbita firmeza susteve o salto e recuando assentou os pés em terra firme, enquanto o veado se afundava no abismo em grande queda para o mar.
Depois desta milagrosa intervenção, fez o alcaide questão de manifestar o seu reconhecimento. E para que duvidas não surgissem no futuro, fez por escrito, disposições de última vontade, declarando querer deixar uma Igreja a Nossa Senhora, para o que mandou homens por Leiria, Porto de Mós e lugares vizinhos para que trouxessem pedreiros e fizessem um templo. E no mesmo instrumento lhe fazia doação de “toda a terra que está Entre-Os-Rios que vão de Alcobaça, passando por Águas Belas (atualmente Valado dos Frades), depois entre o mar, e a mata de Pataias”. Havia sido com este património que se iniciou a Casa de Nossa Senhora da Nazaré, institucionalizada em Irmandade ou Confraria ou simples Ermida.
A actual Confraria da Nossa Senhora da Nazaré é hoje em dia a responsável por todo o património doado à Santa por Dom Fuas Roupinho na época. A Confraria foi ao longo do tempo valorizando o seu património, sendo hoje a responsável pelos grandes pontos dinamizadores do Sítio, é considerada uma Associação de culto à Nossa Senhora da Nazaré e uma importante Instituição de Solidariedade Social. Tem a seu cargo o Hospital utilizado pelos utentes do Concelho, um Jardim-de-infância, uma Creche, uma sala de actividades de Tempos livres, um Lar para idosos, assim como todo o serviço de apoio ao domicílio e a chamada “sopa dos pobres” para todos os carenciados, isto no âmbito social, porque no âmbito religioso a Confraria é ainda responsável pelo Santuário da Nossa Senhora da Nazaré e toda a zona envolvente, desde o Largo da Nossa Senhora da Nazaré, à Capela, a algumas lojas de artigos regionais, e ao Museu de Arte Sacra Reitor Luís Nesse. Contudo, ainda tem a seu cargo alguns terrenos e matas que partem do Sítio, acompanham a costa, limitando o concelho da Nazaré a Norte.
As Festas em Honra a Nossa Senhora da Nazaré
Vinham romeiros de toda a parte, de todos os lugares do reino e do estrangeiro, gentes de todos os estratos e de todas as condições sociais acorriam a homenagear a Senhora da Nazaré, principalmente em dias assinalados como os da transladação para a igreja, a 5 de Agosto, e do milagre de Dom Fuas, a 14 de Setembro, a afluência de Romeiros era enorme. Para atender toda esta gente, necessário se tornou montar e organizar serviços de acolhimento e de cerimonial litúrgico com eclesiásticos, primeiro da Abadia de Alcobaça e mais tarde, da Vigairaria da Pederneira, assim como organização de festas e de ofícios de coro. Paralelamente foram sendo requeridas providências de fixação de populações e de estabelecimento de tendas, capazes de fornecer aos romeiros tudo o que lhes era necessário.
Até 1608 os romeiros vinham desordenados, por estradas e caminhos, é a partir dessa altura que aparecem as primeiras notícias de romarias organizadas, em certos dias, com cerimonial organizado e disciplina de grupo. E porque tais grupos de romarias se faziam acompanhar de símbolos religiosos, algumas vezes imagens e sempre pendões, estandartes e grandes velas designadas círios, a população local lhes chamava o círio de tal Vila ou de tal Local.
Muitas eram as Vilas que organizavam Círios de romagem à Senhora da Nazaré, mas foi o Círio de Lisboa que visitava o Sítio a 8 de Setembro, que maior importância teve no dinamismo das romagens religiosas e da própria festa. Vinham fidalgos, membros do Reino, senhores possuidores de grandes propriedades rogar à Senhora, neste dia, trazendo consigo a alegria, a festa, as corridas de touros montadas numa arena improvisada na praça em frente ao Santuário. Daí o feriado municipal se realizar a 8 de Setembro, dia de Nossa Senhora da Nazaré e do Município.
Já no primeiro quartel do século XX, Raul Proença em “Guia de Portugal”, refere-se às festas do Sítio como sendo “a maior romaria de toda a Estremadura, trazendo à Vila cerca de 25 mil pessoas. Então, prossegue, a Vila anima-se: há touradas, feira, fogo-de-artifício, procissões, loas cantadas pelos anjos do alto das berlindas, que dão volta ao templo seguidos pelos carros dos romeiros, com grande acompanhamento de gaitas de foles e de zabumbas”. Hoje em dia a festa prossegue, não com tanto impacto como há anos atrás, mas ainda com muita pompa e circunstancia. Há a festa religiosa, que tem o seu auge com a procissão no feriado de 8 de Setembro; e a festa profana, com fogo-de-artifício, touradas, gastronomia, feira, diversões, etc.